quinta-feira, 18 de novembro de 2010

A ruga e a crônica

                           Tantas coisas são crônicas. Digite crônica no Google. Eu lia um texto de Clarice (Lispector). Sei, clichê: todo mundo gosta de dizer que lê Clarice. Voltando. Lia Clarice num texto em que ela dizia ter sido convidada a escrever uma crônica e não saber exatamente o que fazer. Entre divagações sobre o que vem a ser uma crônica a que mais agrada é a que a considera um bate papo.
                         
                         Se a crônica é um bate papo em que o outro é mudo (o leitor), de repente é melhor dizer que é um desabafo, uma confissão, um mexerico, um discurso, uma apologia, um elogio. Uma vaidade. Afinal, escolho externar uma opinião que considero inteligente sobre um assunto qualquer, de preferência um assunto prosaico. Ruga, por exemplo.
                     
                         Há algum tempo, não importa o quanto as pessoas ao meu redor gostem da gentil mentira de me dizer o contrário, vejo rugas surgindo em pedaços do meu rosto. Ruguinhas finas. Pronunciadoras de como serei daqui a algum tempo. Pois muito bem. Olho a ruga na testa e ela me diz: "Está vendo como é mentira que você acorda de bom humor e passa o dia rindo?". Ao lado dela, protestam as rugas do olho, os pés de galinha, suaves, mas vigilantes, cuidando para que a verdade seja dita: "Negativo, Senhorita. Estamos aqui para provar que a moça espalha sua gargalhada desavergonhada por aí.". Não importa: não darei mais ouvidos a nenhuma delas, não quero emoções fortes.

                      E se eu quero uma vida botox? Sem rugas ou rusgas. Linhas de expressão? Só as que defenderei nessas poucas palavras. Expresso-me só por aqui e guardo as emoções dentro do pote de creme anti-idade. Evito ficar com bigode chinês e não me preocupe se passam fome na China. Eu me botoco, tu te botocas, ela se botoca...
                     
                     Não. Não mesmo. Danem-se as mal traçadas linhas. Passa o lenço, que hoje o filme é drama, amanhã comédia, sábado é épico e eu não vou parar de sentir. Botox no botox.